CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Mumia Abu-Jamal: "Sou um jornalista fora da lei"

A 29 de Agosto de 2010, a representante dos Repórteres Sem Fronteiras em Washington DC, Clothilde Le Coz, visitou Mumia Abu-Jamal [MAJ], preso no corredor da morte há quase 30 anos. Le Coz estava acompanhada do advogado de Mumia, Robert R. Bryan, e da assistente jurídica deste, Nicole Bryan. O encontro teve lugar na sala 17 do Instituto Correccional de Waynesburg, no condado de Greene, Pensilvânia, EUA.

Repórteres Sem Fronteiras: Como jornalista que continua a trabalhar a prisão, qual é o tema dos teus últimos escritos?

MAJ: Os EUA têm o maior número de presos de todo o mundo. No último ano, pela primeira vez em 38 anos, o número de presos diminuiu.

Alguns estados, como a Califórnia e o Michigan aceitam menos presos porque estão superlotados. Os orçamentos dos estados sofreram reduções e alguns presos foram libertados por causa da situação económica.

Há muitas pressões e o número de presos é enorme. É impressionante ver quanto dinheiro é gasto pelo governo norte-americano e como somos invisíveis. Ninguém sabe de nós. A maior parte das pessoas não se preocupa connosco. Alguns jornalistas fazem reportagens quando há um drama na prisão e pensam que sabem tudo sobre ele. Mas não retratam a realidade; são sensacionalistas. No entanto, podem encontrar-se bons relatos. Mas são irrealistas. Os meus relatos são sobre o que vi com os meus olhos e sobre o que as pessoas me contaram. São relatos sobre e realidade. Têm que ver com a minha realidade. Falam principalmente sobre o corredor da morte e a prisão. Gostava que não fosse assim. Houve uma grande onda de suicídios no último ano e meio no corredor da morte. Mas isto não é visível. Eu contei as histórias destes suicídios porque aconteceram no meu bloco.

Eu preciso de escrever. Há aqui milhões de histórias e pessoas maravilhosas. Destas histórias, as que escolhi para escrever são importantes, comoventes e frágeis. Eu escrevi-as mas devo questionar-me se é útil ou não fazê-lo. Tenho que pensar nisso. Enquanto jornalista tu és responsável quando as divulgas. Espero que as suas vidas mudem para melhor.

Repórteres Sem Fronteiras: Pensas que o facto de seres jornalista afectou o teu caso?

MAJ: O facto de ser “A Voz dos que não têm Voz” teve um papel significativo. E esta expressão deriva do nome de uma rubrica do Philadelphia Inquirer que surgiu depois de eu ter sido preso em 1981. Quando era adolescente, eu era um jornalista radical que trabalhava na equipa do jornal nacional dos Black Panther. O FBI foi acompanhando os meus escritos desde os 14 anos de idade. Por causa da minha escrita, sou mais conhecido nos EUA do que qualquer outro preso. Se não fosse este o caso, penso que teria havido menos pressão sobre o tribunal para ser criada uma lei especial que influenciasse a minha condenação. A maior parte dos homens e mulheres no corredor da morte não são conhecidos. Como eu continuo a escrever, este é um dos elementos que afectou o pensamento dos juízes e fê-los mudar a decisão para não me conceder a oportunidade de um novo julgamento. Acho que eles pensaram “Tu és um desbocado, não terás um novo julgamento”. Espera-se mais de um tribunal federal. Por causa do meu caso outros casos podem ser afectados.

Repórteres Sem Fronteiras: O que pensas da cobertura do teu caso pela comunicação social?

MAJ: Uma vez li que já não estava no corredor da morte. Estava aqui sentado quando li isso. Continuei aqui sentado.

Como eu estava a vir do terreno, um grande número de jornalistas não queria relatar o meu caso porque temiam ficar ligados a mim. Eles tinham que enfrentar críticas por serem parciais e por vezes os seus editores diziam-lhes que não podiam cobrir o caso. Desde o início deste caso, as pessoas que melhor pediam cobrir o caso não foram autorizadas a fazê-lo. A maior parte dos jornalistas com quem trabalhei já não estão no activo. Reformaram-se e ninguém os substituiu.

Mas a imprensa tem um papel a desempenhar. A maior parte das pessoas viu o que aconteceu em Abu Ghraib. O líder deles, que sorri nas imagens que foram publicadas, trabalhava aqui antes de ir para Abu Ghraib. No corredor da morte tens pessoas sem formação superior que decidem se vives ou morres. Eles têm poder para te obrigar a não comer se quiserem. E ninguém controla esse poder. Há regras informais. Essa gente pode fazer um inferno da vida de qualquer pessoa num piscar de olhos. Quando escolho as histórias que conto tenho sempre muito material à escolha. Duma perspectiva de escrita o campo é vasto.

Apesar do que os meus detractores dizem a meu respeito, sou um jornalista. Este país seria bem pior sem jornalistas. Mas para muitos deles eu sou um jornalista fora da lei. Antes da minha prisão, no meu trabalho para várias estações de rádio, eu encontrei-me com pessoas de todo o mundo e, apesar dos conflitos com alguns editores, tive a melhor profissão.

O apoio que vocês recebem na Europa é muito diferente do apoio que recebem aqui nos EUA. Como explicam a diferença e ainda acreditam que a mobilização internacional virá a ser útil para acabar com a pena de morte?

Claro que sim. A mobilização europeia pode pressionar os EUA a acabar com a pena de morte. Os países estrangeiros como os europeus passaram por um historial de repressão. Há um conhecimento real sobre o que é estar na prisão. Eles conheceram a prisão, o corredor da morte e os campos de concentração. Nos EUA poucos tiveram essa experiência. Isto explica como as diferentes culturas encaram estes fenómenos. Na Europa, a defesa da pena da morte é um anátema.

O 11 de Setembro mudou muita coisa nos EUA. As pessoas que criticavam ou se opunham ao governo deixaram de ter apoio. A imprensa também mudou. Coisas que eram "toleradas" tornaram-se inaceitáveis após o 11 de Setembro. Acho que o 11 de Setembro mudou a forma de pensar das pessoas e mudou a tolerância dos mídia. Por exemplo, apesar de o 11 de Setembro ter ocorrido em Manhattan e em Washington DC, a prisão foi encerrada durante todo o dia, aqui na Pensilvânia, e nós ficámos isolados.

Repórteres Sem Fronteiras: Para atrair mais pessoas para a tua causa, pode ser útil darmos uma imagem actualizada de ti, hoje em dia, no corredor da morte. Será que o facto de não termos nenhuma foto tua actualizada afecta a tua situação e a possibilidade de mais pessoas se mobilizarem em torno da tua causa?

MAJ: Ter uma imagem pública é, em parte, útil. A essência de uma imagem é a propaganda. As imagens não são, portanto, assim tão importantes. A imagem humana é a única verdadeira. Aí, tento fazer o meu melhor. Em 1986, as autoridades prisionais retiraram os gravadores aos jornalistas, e só vos autorizaram a usar caneta e papel. Agora, que só nos deixaram o significado de um artigo, a partir dele podem fazer-se monstros ou modelos.

Se o Supremo Tribunal autorizar um novo julgamento, só a sentença será revista. Não a condenação. Como se sentiriam se estivessem presos toda a vida, sem serem executados?

Na Pensilvânia, a prisão perpétua é um corredor da morte lento. E, segundo a lei estadual, há três graus de condenação para os assassinatos. O 1º grau é punido com prisão perpétua ou morte. O 2º e 3º graus com prisão perpétua. As pessoas não são libertadas. O maior número de jovens condenados ocorre aqui na Pensilvânia. Mas é aqui que quero chegar: em Filadélfia há outros dois casos, que ocorreram na mesma altura que o meu, em que foi morto um polícia. No primeiro, houve absolvição. No 2º, que foi filmado por uma câmara de vigilância, o réu não foi condenado à morte.

Repórteres Sem Fronteiras: Como tens conseguido “escapar” ao corredor da morte?

MAJ: Eu escrevo sobre factos históricos, uma das minhas paixões. Gostaria de escrever sobre outras matérias. As minhas últimas obras são sobre a guerra, mas também escrevo sobre cultura e música. Tenho um ritmo interno que tento manter através da poesia e dos tambores. Muito poucas coisas se podem comparar com o prazer de aprender música. É como aprender uma nova língua. E escrever é um desafio! Todas as semanas vem um professor de música ensinar-me. Está-se a abrir para mim um novo mundo e eu tenho agora uma melhor ideia do que ele é. A música é uma das melhores coisas que a humanidade criou. O melhor das nossas vidas.

(Fonte: http://en.rsf.org/united-states-mumia-abu-jamal-i-am-an-outlaw-03-09-2010,38278.html)

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