CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Inquérito às práticas carcerárias na cadeia do Linhó



"Desde o mês passado a ACED tem servido de transmissor para as autoridades competentes das reivindicações dos presos em greve na cadeia do Linhó por se queixarem da situação insustentável que se vivia naquele estabelecimento – incluindo no capítulo da insegurança pessoal – e da indiferença ou incapacidade da direcção para pugnar para alguma reposição da normalidade. Os grevistas traduziram as suas preocupações em vários pontos, alguns deles centrados no respeito dos seus direitos consagrados internacionalmente sob a designação de Direitos Humanos, outros centrados na gestão do próprio estabelecimento.

As razões de protesto e greve são conhecidas mas não será de mais repeti-las:

1. Especulação com os preços dos produtos alimentares e de higiene que – no quadro da proibição da respectiva encomenda e entrega através das visitas - são mais caros no fornecimento interno do que nos estabelecimentos comerciais (era preciso ver quem lucra com isso e a quanto ascendem esses lucros)

2. Falta de segurança perante a agressão de outros presos (era preciso ver se entre essas agressões não há encomendas do próprio funcionalismo prisional)

3. Espancamentos nocturnos de presos pela guarda, a pretexto de rusgas de segurança

4. Ultraje moral às visitas que são (sem fundamento conhecido) arbitrariamente sujeitas a revistas por desnudamento,incluindo a prática do por toque vaginal

5. Eliminação dos livros de reclamações e ausência de tramitação conhecida de quaisquer queixas (e a objectiva inviabilização das queixas sempre propiciaria a exasperação das tensões)

As sentenças condenatórias fixam apenas a perda de liberdade ambulatória e por nenhum modo decretam castigos corporais, ultrajes pessoais aos visitantes, ou exploração económica ilícita da situação de reclusão.

Os reclusos fizeram portanto greve e a força de choque das prisões foi-lhes atiçada, intervindo aos tiros, sob pretexto de não estarem a obedecer a uma “ordem” de recolha às celas dada por altifalante (sem identificação possível de quem a estaria dando), ordem contrária à prática e horário habituais (e regulamentares) estando os reclusos no pátio à hora em que ali deviam estar.

O que pode justificar a brutal intervenção? Que fizeram os grevistas? A quem? Como? E que incidentes ocorreram no terceiro dia e não no primeiro ou no segundo? Foram os presos ou a guarda quem os desencadeou? O que explica a força de choque entrar com cães a morder, espancando e disparando, ferindo com gravidade alguns reclusos, que, em consequência,tiveram de ser hospitalizados e lesionando outros por modo que entenderam poder ignorar e esses não foram levados a exame e tratamento hospitalar?

Verificaram-se transferências arbitrárias de reclusos para outros estabelecimentos. E “os cabecilhas”, comonlhes chama a guarda, continuam por identificar.

É portanto patente que a intervenção da força de choque se fez com o objectivo alcance de repor a submissão à especulação indiciada, aos espancamentos, ao ultraje à integridade moral das visitas e ao silenciamento das queixas imposto pelo desaparecimento dos livros de reclamações.

A confirmar a intencionalidade de tal tratamento humilhante e degradante há a acrescentar a punição colectiva através da alimentação, já que as refeições de sexta feira da Paixão e sábado de Páscoa,foram servidas estragadas uma – o arroz de pato estava azedo – e salgada a outra. Na manhã de Domingo de Páscoa o pão foi servido duro de véspera.

Trata-se portanto de violência e maus tratos como retaliação por uma reivindicação de direitos legalmente positivados. E uma tal retaliação tem uma tipificação penal muito precisa. Como de resto é também o caso do conjunto de crimes indiciados a que os reclusos reagiam por greve pacífica.

Sublinha-se, por último, que os reclusos estão desde quinta-feira sem acesso à assistência jurídica por advogado tendo, ontem mesmo, pelas 15h30m sido impedida a visita de advogado sob informação de que “só com autorização da Direcção Geral”, assim se verificando que os reclusos estão sem assistência jurídica há três dias e por tempo indeterminado.

À cautela - e em face de mais essa anomalia - desde já fica arguida a nulidade de quaisquer interrogatórios sem defensor e requerido o exame médico a qualquer interrogado que o pretenda.

Conhecendo estes factos por relatos que chegaram à ACED, é nossa obrigação fazê-los chegar ao Ministério Público para que actue em conformidade com as suas obrigações legais. É o que se faz através deste ofício. "

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