CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Notícias das Prisões em clima de Natal

O mês de Dezembro costuma ser parco em hipocrisia. Entre muitos "milagres", também as prisões costumam ter máscaras mais humanas, pese embora o silêncio que acontece durante os restantes onze meses do ano . Acontecem as festas natalícias , os ministros tecem elogios aos presos bem comportados, inauguram mais cárceres, é a verborreia usual .
Contrastando com este clima apaziguador, há os relatos a partir do interior das prisões que testemunham uma realidade contrária . A partir de denúncias que recebemos via ACED , passamos a divulgar alguns episódios :

Prisão de Vale de Judeus dia a dia

18.12.2013 - Negligência de saúde em Vale de Judeus
Recluso 223 da cadeia de Vale de Judeus faleceu hoje de manhã por rebentamento de úlcera nervosa. Estava à espera de ser atendido por médico em hospital há dois meses.
Diogo Sousa Mesquita Pinto está preso na mesma cadeia. Tem dores nos genitais permanentes. Os serviços médicos não sabem o que provoca as dores. Mas também não pedem ajuda hospitalar para o caso. Na esperança que esta informação possa ajudar a que o destino do “223” não se repita no caso do Diogo, deixamos estas informações a quem de direito.
 
18.12.2013 -  Racionamento de pão em Vale de Judeus
Na cadeia de Vale de Judeus há 3 dias para cá o pão está racionado a 4 papo secos. Anteriormente cada recluso levava o pão que lhe apetecia comer. As queixas de haver quem passe fome – isto é que não fique satisfeito com a quantidade de comida (à qualidade já nos referimos noutras ocasiões) – e deixe de poder socorrer-se do pão.
Na esperança que possa ser revertida esta nova ordem, a ACED deixa aqui a informação a quem de direito.
 
Pré motim em Vale de Judeus
Victor Hugo Moreno, como muitos outros, cumpriu 15 dias de castigo por se ter queixado da alimentação que não se podia tragar. Recebeu avanços de graduados da guarda que o ameaçaram que se voltasse a queixar-se da alimentação isso teria outro tipo de consequências (não especificadas, mas presumivelmente punições corporais). Mais lhe disseram para informar os seus companheiros que se se queixarem mais que tais queixas poderiam ser tomadas como insubordinação e tratadas como tal (presumivelmente a invenção de um motim para poderem ser aplicadas indiscriminadamente punições corporais pelo corpo especializado nisso).
Efectivamente os presos estão assustados. O que não quer dizer que seja fácil enfrentar comida no estado em que lhes aparece na frente, mesmo ameaçados e com fome.
Sabendo a ACED que pode acontecer estas ameaças serem mesmo concretizadas, dado o número crescente de queixas que temos recebido nos últimas semanas, o ambiente tenso que dizem viver-se e o conhecimento que se tem das práticas penitenciárias em Portugal, apela à autoridades competentes para que evitem represálias contra quem se quer queixar e se evitem também a organização de estados alarmistas para favorecer a pancadaria, cujo (falta de) controlo e disciplina conhecemos pelos testemunhos que nos chegaram desse tipo de episódios em alturas anteriores e outros lugares, e por relatórios apresentados recentemente pela DGSP à Assembleia da República.
Apelamos à Procuradoria-geral da República que investigue se é verdade ou não que os direitos de protesto dos presos em Vale de Judeus estão a ser desrespeitados pelo serviço de segurança e se há ou não provocações a serem montadas para assegurar que esse desrespeito é aceite pelos presos. Porque o Estado português tem obrigação de cumprir os seus compromissos internacionais de velar pelos melhores procedimentos contra práticas que caem sob a tutela da proibição da tortura e, segundo o CPT do Conselho da Europa, não está a cumprir.
 
Denuncias de crimes regulares em Vale de Judeus
Na página 8 do jornal O Crime é apresentada uma entrevista com reclusos de Vale de Judeus em que é apresentada uma situação em que a prática de crimes de tortura – a coberto de castigos e do segredo penitenciário – são práticas correntes e com consequências irreversíveis para casos concretos apontados na própria entrevista e também avançados em queixas anteriores chegadas à ACED.
O Estado português está comprometido internacionalmente com as convenções internacionais contra a tortura e não pode ignorar o que fica publicado.
A ACED quer assegurar-se que não será por falta de acesso à informação que as investigações sobre este caso concretamente indiciado não serão abertas. Por isso dá notícia da existência da notícia e dispõe-se a enviar cópia a quem dela precisar e não a conseguir obter de outro modo.  
 
Incêndio nas celas disciplinares em Vale de Judeus
Anteontem, dia 11 de Dezembro, pelas 19 horas, Jesus João Silvério, a cumprir castigo por se ter queixado da alimentação – aliás, a maioria dos castigos disciplinares actualmente decorrem da repetição desse tipo de queixas – incendiou a cela como forma de protesto. A dificuldade em controlar o incêndio obrigou à evacuação dos presos em castigo e a presença dos serviços de saúde para tratar dos casos de intoxicação. “Situação insustentável neste EP!”
Acidente vascular cerebral evitável em Vale de Judeus
Pedro Miguel Carvalho Martinho está preso em Vale de Judeus com o nº 424. Faz duas semanas começou a queixar-se por se sentir mal e precisar de um médico. Hoje de manhã foi encontrado na cela, depois de um AVC, e foi levado pelo INEM.
Acontece que embora as celas disponham de campainha, nenhuma conhecida funciona. Quando é preciso chamar, quando haja forças para isso, os reclusos procuram fazer barulho para chamar a atenção dos guardas. O que é difícil de fazer e demora sempre muito tempo.
Não se tem ideia de quando tenha ocorrido o AVC, mas o rapaz ficou aparentemente paralisado de uma parte do corpo.
Durante os últimos dias, a resposta que obteve às suas súplicas para ser atendido foi “não há médica” (só vem duas vezes por semana, parece), “hoje já se foi embora”, “só vem amanhã à tarde”, e outras frases evasivas e comprometidas com a negligência dos serviços de saúde, que inúmeras vezes temos assinalado quando nos chegam informações sobre casos destes.
Este caso mostra, também, como as ameaças contra as queixas que os presos possam fazer sobre seja o que for que ocorra nas prisões e os leva a evitar denunciar o que testemunham subscrevendo a queixa, pode ter efeitos definitivos, como infelizmente pode bem ser este o caso, desta vez. 
A responsabilidade política e institucional deste caso não deve ser assumida como um caso marginal ou disfuncional. Pelo contrário: uma das características específicas das prisões portuguesas relativamente a outros sistemas penitenciários europeus é, precisamente, a persistência de um grande número de óbitos entre os prisioneiros detidos em Portugal. O Estado português, que a ACED tenha conhecimento, não se interessou jamais por esclarecer este mistério. Claro que não será um caso isolado que explica seja o que for. Mas qualquer caso isolado serve, como saberá qualquer investigador, para se puxar o fio à meada e começar a vislumbrar algumas hipóteses de trabalho que, mais tarde e sistematicamente, possam vir a ser tratadas com algum rigor. O alheamento da questão não é bom augúrio.
Na esperança que seja desta vez que possa haver um princípio de investigação sistemático sobre as queixas sobre os serviços de saúde nas cadeias portuguesas – alguma vez terá de ser! – aqui deixamos a quem de direito a informação que nos fizeram chegar, para os efeitos que entenderem úteis.
11.12.2013 - Cadeia de Vale de Judeus sem água quente 
Falta água quente na cadeia há dois dias. A explicação dada foi de uma falha técnica. Mas não parece que seja suficiente para explicar o tempo decorrido. Pelo que os presos esperam que esta informação espolete uma solução rápida para o problema. A quem de direito.
 10.12.2013 -  Levantamento de rancho na cadeia de Vale de Judeus
Ao almoço de dia 10 Dez, os presos terão recusado comer o que lhes foi apresentado. Além de “sempre o mesmo arroz” pareceu-lhes intolerável o cheiro de “carne estragada” como se referiram à carne picada.
 
 Brutalidade dos guardas em Vale de Judeus (cont)
A alimentação tem sido razão para protestos reprimidos à bruta.
Faz dois meses a empresa que servia a comida terá sido substituída, embora os funcionários sejam os mesmos. Na cozinha, além dos funcionários da empresa, há presos a trabalhar. Mas ninguém usa luvas nem tocas, como nas outras cozinhas. Os alimentos são tratados directamente pela pele de quem trabalha e os cuidados de higiene não são preocupação.
A sopa é água e os alimentos sabem frequentemente a azedo. Todos os dias alguém se queixa. E todos os restantes se contêm de o fazer. Mas no dia seguinte, quem não protestou num dia protesta no outro. As pessoas são castigadas por protestar mas a qualidade da alimentação e da confecção continua na mesma. E a tensão aumenta.
Os faxinas ganham 1 euro por dia pelo trabalho desenvolvido, isto é 15 euros por mês (mais 15 para o fundo de reserva).
GISP usa a estrada para espancamentos
Dia 4 de Dezembro, numa transferência de reclusos do EPL para Aveiro, um cigano de nome desconhecido e outro preso de nome Flávio (preso em Pinheiro da Cruz) foram espancados. Há uma testemunha ocular disposta a prestar declarações sobre o que assistiu. Mas que reserva a revelação da sua identidade para os processos que possam estar interessados em proceder a averiguações.
 
 Discriminação em Coimbra
José Ruben Ferreira Oliveira está preso em Coimbra. Foi castigado repetidamente nos últimos tempos. Então, três castigos (de 20, 15 e 10 dias) foram aplicados de seguida (com um pequeno intervalo entre os dois primeiros) – o último ainda decorre – apesar de a lei e a prática de outros casos limitarem os dias de castigo. Trata-se, com certeza, de uma forma expedita e formalmente não ilegal de castigar. A que se junta o facto de – apesar de o recluso estar só na cela –, contra aquilo que acontece noutros casos, o recluso foi enviado de todas estas vezes para uma cela disciplinar.
O recluso entende estes procedimentos como formas de discriminação contra si através de expedientes para contornar o espírito da lei, inovando – para castigar – as práticas punitivas em vigor.
A ACED, a pedido do recluso, pede uma avaliação da situação por que tem vindo a passar.

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