CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Notícias das Prisões

Através da ACED fazemos eco de mais injustiças que pairam nas prisões .

"Negligência de socorro em Vale de Judeus
Na noite de dia 18 Jan, o recluso Tiago Filipe Teixeira Félix cortou-se com uma lâmina no braço, automutilando-se. Esperou uma hora pela chegada de guardas para lhe prestarem assistência. O sangramento, claro, foi importante e perigoso para a sua vida. Este episódio é reflexo da tensão existente e contribui para a aumentar. Reflexo da incapacidade do sistema de assegurar respeito pela condição dos presos, seja por falta de recursos, por falta de vontade, espírito punitivo ou tudo isso junto."
"Fome em Vale de Judeus (continuação)
 
Chegou-nos a informação que o chefe de guardas teria sido afastado depois de uma inspecção da ASEA à cozinha daquele estabelecimento. Recordamos que há mais de um mês começaram chegar queixas de reclusos castigados por reclamar da alimentação. Consta agora que o afastamento do chefe se deve ao facto de estar a tirar proveito pessoal da autorização que daria à escassez de comida no estabelecimento.
A confirmar-se esta informação, há todo um enquadramento novo tanto quanto para o nível de fome por que se destacou Vale de Judeus doutras cadeias – onde os alimentos parecem também não ser abundantes – e quanto à estratégia de repressão da “forma” de protestar dos reclusos, levados para as celas disciplinares.
A ACED pede a quem de direito que esclareça os factos que já foram apurados a respeito deste caso e que informe dos procedimentos que venham a ter lugar na sequência do que for apurado. "
"Telemóvel em Alcoentre (continuação da perseguição)
 
Luís Filipe Marques da Silva está preso em Alcoentre. É analfabeto. Pai de quatro filhos. E inquieto com a sorte da família.
Pede para ser protegido contra as ameaças verbais e físicas de guardas, para poder continuar a trabalhar e a estudar conforme fazia há poucos meses atrás e para não ser perseguido, até que cumpra o que lhe resta da pena.
Percebe o que se passa à sua volta. Quando lhe vieram dizer que tinham encontrado um telemóvel, localizada numa cela com outros presos, percebeu logo o que se poderia passar. Por isso podemos escrever, então, a 23 de Outubro, na sequência de outras mensagens sobre o caso:
“Tudo se está a passar conforme previsto e antecipado nos ofícios anteriores. A pretexto da presença de um telemóvel de Nuno Santos, companheiro de cela de Luís Silva que acaba de sair em fim de pena, o próprio ficará a cumprir oito dias de castigo. Nem a audição de Nuno Santos no processo de averiguações (que terá confirmado o telemóvel ser seu) impediu a perseguição de prosseguir.”
Efectivamente sabe hoje que além do companheiro de cela indicado, outro igualmente envolvido no processo saiu aos 2/3 da pena. Imagina o Luís que seja o facto de não aceitar a injustiça que o tem levado a esta situação. Porque não vê outra razão. Mas não se consegue calar. Isso mesmo parece ter constatado o TEP, curiosamente. Diz um trecho que nos chegou da inspecção, de autoria do TEP:
“…Consultou a memória do referido aparelho e constatou que no mesmo se encontravam gravadas fotografias do mesmo (e de outras pessoas não identificadas e também uma fotografia do braço de alguém que não conseguiu identificar), o que indicia que era utilizado pelo impugnante.”
Não é preciso ser proprietário do objeto proibido para preencher a referida previsão legal, bastando ser mero detentor, seja por se utilizar o mesmo, por se estar a fazer um favor a alguém ou por qualquer outra motivação. O que importa é que se guarde ou detenha (no sentido de ter um poder de facto sobre o objeto) o objeto proibido, sendo a motivação irrelevante. Em suma, o recluso Luís Filipe Marques da Silva praticou a infração disciplinar em que se alicerçou a decisão impugnada”
A natureza da infração em causa, o grau de culpa do recluso e a personalidade manifestada no facto de posteriormente à apreensão ter passado a dizer, contra todas as evidências, que não tinha o telemóvel dentro das cuecas, nada há a criticar tanto no que concerne à escolha da medida como em termos de fixação de respetivo quantum, que é o habitual para situações idênticas.”
 Não nos cabe aqui discutir se a imagem do recluso na memória do telemóvel prova que ele o usou ou se com ele fez favores (de posar para a fotografia?). Basta-nos reconhecer que não se tem calado, nem face ao tribunal, a reclamar a sua inocência.
Na verdade parece ser certo que o telemóvel em causa terá sido entregue (com outro telemóvel) ao seu dono, na ocasião em que saiu da cadeia. E mais certo ainda que a revolta de Luís não o deixa sossegado, ao ponto de estar a ser ameaçado de pancada por um grupo de cinco guardas que ontem procurou entrar na sua cela depois do fecho. Apenas o facto de se ter barricado evitou o desfecho, que evidentemente teme poder vir a acontecer a qualquer momento e para o que pede protecção.
Os insultos ao recluso são de tal maneira vulgares que a própria família já os testemunhou. A partir do episódio do telemóvel, as quatro crianças seus filhos são revistados com desnudamento e apalpação de cada visita. Quando a família entrega as suas coisas e diz que é para o 39 (em Alcoentre, apesar da proibição tudo como antes) imediatamente vozes intimidatórias se levantam e um dia obrigaram a tirar uns gramas de carne que passaria do kilo permito. Os olhares de intimidação para a família parecem armas de arremesso.
Na verdade, o chefe de guardas já terá explicado ao próprio recluso que há uma ordem para lhe fazerem a vida negra e que nem os 5/6 (o fim da pena) deve tomar por assegurados. Previsão que vamos ver se se concretiza ou não. Porque se nas vésperas de ir ao juiz para liberdade condicional (que foi concedida ao seu companheiro de cela) lhe aconteceu ser plantado um telemóvel na cama (a explicação que Luis encontra é o facto de a única tomada de corrente disponível estar junto da sua cama), e se depois assistimos a todo o aparato de que acima damos uma ideia, não está descartada a possibilidade de virmos a ouvir do recluso a queixa de alguma acção contra si que o remeta para uma prisão preventiva, por exemplo (estamos a lembrarmo-nos de casos semelhantes que nos foram contados de perseguições que prolongam no tempo).
O Luís quer trabalhar ou ir à escola, como fazia antes de ser castigado e enviado para o interior da prisão, pela ocupação e para mostrar que está disponível para integrar a sociedade. Essa possibilidade está a ser-lhe recusada. Enquanto noutros casos recentes – sim, os telemóveis continuam a circular em Alcoentre – passado o tempo do castigo os reclusos voltaram ao RAI. Mas esse não foi o caso do Luís.
A irmã do Luís, preocupada com a situação, procurou falar com a educadora, Drª Sandra, e conseguiu. Explicou-lhe esta que o chama todas as semanas mas este nunca está na ala e por isso não o tem visto. É natural que esta resposta seja incompreensível para uma pessoa de sensibilidade normal que procura apoios para uma situação difícil. Ao pedir mais esclarecimentos e ao pedir para ajudar o irmão, ouviu a resposta de que ela (a educadora) é que sabia o que devia fazer. Quando informou a educadora de que o irmão só tinha acesso a água fria, esta ter-lhe-á perguntado que se queria que fosse dar banho ao irmão.
Actualmente Luís está na Ala B, de onde estão a ser conduzidos pessoas com problemas de adição com drogas. Estão a ser deslocados para outra ala os presos que anteriormente ali estavam. Luís teme não ir chegar a sua vez de ser transferido para um espaço onde não seja obrigado a confrontar-se com essa doença. "
 
 
"Discriminação em Coimbra (resposta à
conclusão obtida)
 
A ACED é uma organização não governamental que há mais de 16 anos cumpre um serviço público que as leis da AR parecem querer estabelecer mas o sistema prisional não é capaz de realizar. A ACED aceita denúncias, queixa e lamentos, pedidos de ajuda, declarações de revolta e apelos aos sentimentos humanitários que deveriam poder ser canalizados para as direcções das cadeias, para as diferentes agências com competências de auditoria e inspecção dos serviços prisionais, para o ministério da tutela. A ACED só se mantém activa porque esses serviços – ainda que aparentemente disponíveis – simplesmente não cumprem as funções que poderiam cumprir, em particular a de levar a sério as informações e comunicações que lhes chegam dos presos.
O caso presente é apenas um exemplo disso. Que só é mais evidente porque a rotina de desvalorizar e desqualificar não apenas as comunicações das pessoas presas mas as próprias pessoas presas, em si, se tornou tão banal – Hannah Arendt, a propósito de outro assunto chamou-lhe banalidade do mal – que parece legítimo discriminá-las.
A lei diz que um preso não pode sofrer castigos disciplinares com uma duração acima de tantos dias. Mas as instituições portuguesas descobrem que tantas vezes esses tantos dias não é nenhuma violação da lei. E para que não haja dúvidas sobre que a violação da lei não é violação da lei, põem a vítima a papaguear aquilo que – não sendo um testemunho válido em lado nenhum onde haja decência – é tomado como a comprovação da alegada conspiração da ACED contra o Estado português e as suas prisões (assunto tratado noutro lugar com algum detalhe e que aqui não tratamos).
A ACED soube que Oliveira esteve 45 dias de castigo. Informou as autoridades. Estas inspeccionaram e concluíram que sim, tinha estado 45 dias de castigo. Mas não é ilegal porque houve uns dias de intervalo, para salvaguardar as aparências, e isso é quanto bastaria. Agora a maior dificuldade – presumimos, com base na experiência que temos de ler estas respostas e estes relatórios – é dar razão a uma queixa. É que a queixa refere-se à legitimidade de usar esse subterfúgio de ter uma pessoa em situação de castigo por um período superior ao tempo legalmente permitido, recorrendo à interrupção do castigo em tempo útil e recomeçando a contagem do tempo imediatamente a seguir. A essa questão, à questão que nos parece ter sido posta, nenhuma resposta foi dada. A resposta informa que o recluso declarou não ter sido ele o autor da queixa, ao contrário do que consta na queixa.
Isto é, podemos presumir que as entidades tutelares e inspectivas aceitam que os serviços prisionais podem desrespeitar o espírito da lei desde que disponham de uma qualquer forma de justificar escapar-lhe, com base na lei. O que mais lhes interessa saber é o circuito de informação utilizado pela ACED para saber o que se passou.
De outro modo porque se dariam os inspectores ao trabalho de trazer à liça informação como aquela que carrearam? Que interessa saber quem canalizou a queixa para a ACED, se a vítima, um prisioneiro ou um guarda? Que interessa o pedido que o preso tenha feito para cumprir as penas todas de seguida, se só agora sabemos disso e isso não ficou registado em lado nenhum suficientemente credível para que seja impossível pensar que o interrogatório a que foi sujeito no âmbito da inspecção não foi mais um acto de revitimização do recluso?
Em resumo: a interpretação que a inspecção fez da queixa canalizada pela ACED não corresponde ao problema em causa, a saber, o abuso de poder praticado à sombra da interpretação formalística das leis, bastamente denunciado como prática corrente no sistema judicial em Portugal, com desprezo substantivo do sentido útil da legislação. Mas corresponde à inspecção do texto da ACED no sentido de identificar a fonte – identificada no texto – e de a levar a dizer o que a inspecção quer que se diga. Imaginando que descredibiliza a ACED assim.
A inspecção inspecciona os queixosos em vez de inspeccionar os serviços? Curiosamente é isso que ocorre também nos tribunais a que temos sido encaminhados, aqui na associação por causa do trabalho que desenvolvemos.
Há uma conformidade – e é com essa que urge romper – entre as práticas carcerárias e as práticas inspectivas no sentido de demonizar os presos e a ACED, como inventores de problemas, e santificar as autoridades carcerárias como respeitadores das leis e vítimas das liberdades de contestação oferecidas pelos direitos de livre expressão. Há um incómodo, apenas por vezes expresso, perante o facto de haver uma associação que cumpre o trabalho que o Estado poderia muito bem cumprir – receber e tratar com seriedade as queixas dos presos, sem represálias nem intimidações – mas prefere não o fazer. Por isso existe a ACED, e mais ACEDs existiriam não fosse o clima intimidatório que mesmo fora das prisões se faz sentir, nomeadamente a nível dos próprios tribunais criminais.
Ora, aqui chegados devemos rever a matéria. Devemos afirmar ser nossa experiência, na associação, receber queixas que não podemos encaminhar porque as pessoas em causa ficam em risco de não serem suficientemente fortes para resistirem às intimidações. Como temos experiência de pessoas que resistem durante meses a queixar-se para evitar represálias e só o fazem em desespero de causa. Não temos dúvidas – quem pode tê-las? – de existir um clima intimidatório nas prisões e em volta delas.
Sendo assim, que sentido faz um inspector (ou uma senhora inspectora) dirigir-se a um recluso sobre o qual foram aplicados 3 castigos consecutivos e perguntar se está de acordo com isso? E que sentido faz perguntar se conhece a ACED? Que resposta poderia alguém obter nessas circunstâncias? (Admitimos não estar a citar correctamente as perguntas efectuadas, por não termos tido acesso a elas. Mas as perguntas correspondem às respostas obtidas e referidas no relatório. Pelo que se não foi este o texto terá sido um texto equivalente. E falta saber a linguagem corporal utilizada).
Insistimos neste ponto: muitas das queixas que canalizamos para as autoridades não merecem apenas uma breve atenção de circunstância nem o desprezo que se costuma atribuir a quem não gostamos. O Estado tem obrigação de tratar todos os cidadãos, incluindo os presos, por igual e de acordo com os direitos humanos e as leis em vigor. Esperar que um dia seja capaz de o fazer é pedir demais?"





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